quarta-feira, 11 de abril de 2012

A mesa ao lado: uma história verídica - por Tati Bernardi.

Estou em um bar da vila madalena com duas amigas. As duas são casadas e me convidam pra “ver a noite e dar um tempo dos maridos”. Eu topo mesmo não tendo marido e mesmo estando cansada de tanto ver a tal da noite.

O papo delas é muito chato: o amor não existe como nos filmes, os maridos chegam cansados e acordam mal humorados, beijos demorados de língua só acontecem a cada quarenta e sete dias e por ai vai. As duas casaram com caras muito legais, engraçados e ótimos companheiros. E elas sabem disso…mas, como toda mulher, estão precisando dar uma reclamadinha de suas vidas. E eu, como toda boa amiga, vou fazer de conta que elas têm realmente problemas muito graves e vou lamentar com elas o tédio existencial feminino.
Promete ser mais uma noite sem grandes novidades quando nós três nos calamos para escutar a conversa do casal da mesa ao lado. Que a essa altura já preenche a atmosfera do lugar na forma de gritantes decibéis:
HOMEM: Isso não vai ficar assim. Eu vou atrás de você. Eu vou provar que sua vida pode ser melhor comigo. Eu me mudo pra cidade que você quiser. Eu mudo de emprego, de profissão. Eu mudo de cabelo. Eu mudo de religião. Eu mudo de sexo!
MULHER: Não quero mais! Chega! É sempre a mesma ladainha. Simplesmente você não pode me fazer feliz. Eu sei que você tentou. Eu sei que você quer continuar tentando…mas eu quero mais da vida…
HOMEM: Mais da vida é o quê? Mais festas? Mais relacionamentos?
MULHER: Não! É mais amor! Mais entrega! Mais música e literatura e dança e sexo! Mais tempo pra mim! Mais carinho e beijos e abraços!
Era mais ou menos isso que eles diziam. Obviamente não decorei a briga. E obviamente, já que sou escritora, estou floreando um pouco. Mas a resposta que vem agora, do homem, eu tenho bastante certeza de ter decorado. E foi a seguinte:
HOMEM: Eu te dou minha vida, meu tempo, meus olhos e meu coração. Por favor não me deixe. Nós vamos dançar mais e viajar mais e nos amar mais. A partir de hoje eu viverei pra te fazer feliz!
Minhas amigas já estavam com os olhos cheios de lágrimas. Eu, particularmente, tava achando aquele papo chatérrimo porque não existe nada mais desinteressante do que um homem sem vida própria que promete transformar seus dias em périplos para agradar uma fêmea eternamente insatisfeita. Mas minhas amigas já estavam enxugando os olhos com os guardanapinhos do bar e na eminência de levantar e perguntar se o fulano tinha dois irmãos gêmeos pra apresentar pra elas.
Foi quando o rapaz mexeu numa mochila e nós tivemos a certeza que ele tiraria um anel de brilhantes e ficaria de joelhos…mas não: ele tirou um calhamaço de texto e começou a rabiscar. A mulher, que estava descabelada de tanto vomitar sua alma, recobrou uma postura corriqueira, leve e deu um gole em sua cerveja.
MULHER: Acho que na sua última fala você pulou uma frase.
HOMEM: Pulei mesmo…tinha a parte que eu prometia te degolar caso você não aceitasse me dar mais uma chance…mas não sei, será que não fica pesado numa peça adolescente?
MULHER: Não! Adolescente tá acostumado com vampiro e zumbi…eles gostam dessa coisa de morte, sangue e pescoço cortado.
Eu e minhas amigas caímos na maior risada. Toda aquela profunda e intensa discussão/declaração não passava de um ensaio para uma peça de teatro…uma daquelas peças bem ruins que lotam teatros de mocinhas que sonham com o homem perfeito. Mas o homem perfeito quase sempre é um ator meia boca com um texto mal escrito.
Brindamos os homens reais e voltamos pra eles algumas horas depois de nosso encontro. Não felizes para sempre, mas bem felizes naquele momento.